Cidade mais quilombola do Brasil, Alcântara (MA) aguarda demarcação e abriga base de foguetes; caso foi levado a tribunal internacional


Quase 85% da população se autodeclara quilombola. Levantamento inédito, divulgado nesta quinta-feira (27), também apontou que o Maranhão é o segundo estado do país com o maior número de cidades com população quilombola. Alcântara é o município brasileiro com maior número de comunidades quilombolas, segundo lideranças locais
CONAQ
Alcântara (MA) é a cidade com a maior proporção de população quilombola do Brasil, segundo dados do Censo do IBGE divulgados nesta quinta-feira (27). Ao todo, 84,6% dos moradores, cerca de 15.616 pessoas, se autodeclaram quilombolas.
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Os dados levam em consideração quanto a população quilombola representa em relação ao total de habitantes da cidade. Em números gerais, a cidade possui 18.466 habitantes, segundo dados do Censo de 2022.
O levantamento é inédito. Esta é a primeira vez que o Censo incluiu em seus questionários perguntas para identificar se as pessoas se autodenominam quilombolas. O país conta com mais de 1,3 milhão de moradores quilombolas.
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O município maranhense que, fica cerca de 30 km de São Luís, também possui a terceira maior população quilombola do Brasil em termos absolutos. A cidade fica atrás de Senhor do Bonfim (BA) e de Salvador (BA), que é a capital brasileira com mais quilombolas.
Em abril deste ano, o Brasil pediu desculpas aos quilombolas e reconheceu que o Brasil violou os direitos à propriedade e proteção judicial das comunidades de Alcântara, durante o julgamento do caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que aconteceu no Chile.
Veja o mapa e consulte a sua cidade:
População quilombola por cidade
Historicamente, os quilombos eram espaços de liberdade e resistência onde viviam comunidades de escravos fugitivos entre os séculos XVI e XIX. Cem anos depois da abolição da escravidão, a Constituição de 1988 criou a nomenclatura “comunidades remanescentes de quilombos” — expressão que foi sendo substituída pelo termo “quilombola” ao longo dos anos.
Uma pessoa que se autodetermina quilombola tem, portanto, laços históricos e ancestrais de resistência com a comunidade e com a terra em que vive.
Veja o ranking completo (em números absolutos):
Senhor do Bonfim (BA): 15.999 quilombolas
Salvador (BA): 15.897
Alcântara (MA): 15.616
Januária (MG): 15.000
Abaetetuba (PA): 14.526
Itapecuru Mirim (MA): 14.488
Baião (PA): 12.857
Campo Formoso (BA): 12.735
Feira de Santana (BA): 12.190
Vitória da Conquista (BA): 12.057
Maranhão quilombola
O Maranhão é o segundo estado com maior número de cidades quilombolas do país. Ao todo, 32 municípios possuem habitantes que se autodeclararam quilombolas.
Itapecuru-Mirim, a 108 km da capital maranhense, é a sexta cidade brasileira com maior número de habitantes quilombolas. A cidade conta com 14.488 habitantes quilombolas.
Das dez cidades brasileiras com maior proporção de pessoas que se autodeclaram quilombolas, seis são do Maranhão. Além de Alcântara, também se destacam Serrano do Maranhão (55,7% de população quilombola), Central do Maranhão (48,4%), São Vicente Ferrer (47,5%), Mirinzal (46,7%) e Bacurituba (44,5%).
Veja o ranking completo (por proporção):
Alcântara (MA): 84,6% da população é quilombola (15.616 pessoas)
Berilo (MG): 58,4% (5.735)
Cavalcante (GO): 57,1% (5.473)
Serrano do Maranhão (MA): 55,7% (5.687)
Bonito (BA): 50,3% (7.967)
Central do Maranhão (MA): 48,4% (3.433)
São Vicente Ferrer (MA): 47,5% (9.255)
Mirinzal (MA): 46,7% (6.530)
Bacurituba (MA): 44,5% (2.338)
Mateiros (TO): 43,3% (1.190)
Alcântara: museu a céu aberto e alvo de conflitos
Visão da praça e da igreja de São Matias, em Alcântara (MA)
Divulgação/Bruno Mendonça
Com mais de 200 comunidades quilombolas, Alcântara é conhecida por sua cultura, culinária, belas paisagens e é considerada um ‘museu a céu aberto’. O município localizado no litoral maranhense, conta com conjunto arquitetônico secular com aproximadamente 400 imóveis e ruínas dos séculos 17 e 18 e, desde 1948, é uma cidade Monumento Nacional, título concedido por meio do decreto federal.
Por um outro lado, a cidade também é palco de conflitos e disputas territoriais que duram décadas. Um dos mais conhecidos é a relação dos quilombolas com a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), inaugurado em 1983 e que, recentemente, foi alvo de julgamento internacional.
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Vista área do Aeroporto de Alcântara, localizado na área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA)
Divulgação/Agência Espacial Brasileira
O conflito começou por volta da década de 1980, quando a base começou a ser construída durante o regime militar. A área foi escolhida por estar ter uma localização privilegiada, estando próxima à linha do Equador, o que possibilita uma economia de até 30% no combustível usado nos lançamentos.
Cerca de 52 mil hectares de Alcântara foram usados para construção. Parte da área era habitada por 32 comunidades quilombolas e mais de 300 famílias que foram realojadas em “agrovilas”, feitas pelos militares.
Os quilombolas alegam que tiveram os direitos humanos violados com a instalação do CLA. A acusação foi alvo de julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que aconteceu em abril deste ano no Chile, que também analisou a titularidade do território – concessão do direito de posse de uma área – e da reparação às comunidades.
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Durante o julgamento, o Brasil pediu desculpas aos quilombolas e reconheceu que o Brasil violou os direitos à propriedade e proteção judicial das comunidades de Alcântara.
O advogado-geral da União, o ministro Jorge Messias, atribuiu ao fato do Brasil não ter finalizado, até hoje, o processo de demarcação do território quilombola e pela demora das instâncias judiciais e administrativas para permitir que as famílias pudessem fazer uso das terras demarcadas.
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Quase 20 anos após o acidente Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), considerado o maior da história do Programa Espacial Brasileiro, novos testes com foguetes foram realizados na área.
O mais recente aconteceu em março deste ano e foi feito com o foguete sul-coreano HANBIT-TLV, da empresa Innospace, a primeira companhia aérea espacial privada a operar no local. O lançamento foi considerado um sucesso.
O foguete sul-coreano HANBIT-TLV no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão
Innospace/Divulgação
Outros lançamentos
O lançamento foi possível graças a um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) feito pelo Governo Federal, em 2019. Após a assinatura do documento, a Agência Espacial Brasileira (AEB) lançou um edital para atrair o interesse de empresas privadas na utilização do Centro de Lançamento de Alcântara.
Quatro empresas foram habilitadas, dentre elas, a sul-coreana Innospace. O acordo contém cláusulas que protegem tanto a tecnologia usada pelos estrangeiros quanto pelos brasileiros.
No caso de um acordo feito com os Estados Unidos, eles poderão lançar satélites e foguetes do local, mas o território de Alcântara continuará sendo espaço de jurisdição brasileira. O acordo determina que o conhecimento sobre a tecnologia da carga útil presente no foguete, que foi desenvolvida pelo Brasil, não seja acessível a países estrangeiros.

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